Poliglota
da própria língua
O objetivo deste texto é apresentar abordagens reflexivas
acerca do ensino da Língua Portuguesa no ambiente escolar, levando em conta a
realidade linguística que caracteriza o Brasil de norte a sul, e que, de certa
forma, tem suscitado polêmicas diversas entre gramáticos, linguistas e até
especialistas de outras áreas.
Atuar como porta-voz de um código de linguagem tão
dinâmico quanto a nossa língua, tornou-se
um constante desafio no meio
educacional, sobretudo para os professores que lidam diretamente com o ensino do
idioma, considerando o aspecto gramatical e o linguístico. E estes , na maioria
das vezes, não compartilham do mesmo olhar.
Em uma época remota, essa peculiaridade não representava
um problema, visto que a instrução escolar visava apenas o ensino da norma
culta como forma de obter um melhor conhecimento da língua, tanto para a
leitura quanto à produção de textos. Enquanto isso, eram ignoradas as outras
formas menos prestigiadas do português utilizadas por uma parcela significativa
da população.
Essa omissão de informações foi, aos poucos, questionada
e combatida por diversos representantes da língua. Vale ressaltar a
contribuição literária dos grandes poetas do Modernismo que pregavam, dentre
outros temas, a valorização da linguagem popular. Outros especialistas da
língua aderiram à causa, e o
reconhecimento de outras variação linguística no Brasil ganhou espaço nos
livros didáticos enviados às escolas.
Entretanto, em 2011, um material didático destinado ao
EJA com o título “Viver e Aprender” foi motivo de muita discussão entre
gramáticos, linguistas, jornalistas, professores e “curiosos” porque a
abordagem gramatical do referido livro não era voltada à norma culta e sim
descritiva. Não apontava o certo ou o errado,
apenas apresentava as possibilidades de usar a norma culta ou a popular
de acordo com o contexto exigido dando a ambas um valor equivalente. Orientava,
inclusive, sobre o preconceito linguístico para os falantes da norma popular em
situações que exigiam uma variante culta.
É sabido que não se deve menosprezar a linguagem trazida
pelo aluno, pois ele traz em sua bagagem
cultural um acúmulo de valores e conhecimentos que norteiam sua personalidade,
sua linguagem e suas atitudes.
Convém lembrar, também, que a aquisição da linguagem
acontece na infância e, concomitante ao aprendizado linguístico, desenvolve-se
a gramática internalizada que tem sua lógica própria. Por exemplo: na emissão
de um enunciado, mesmo sem qualquer conhecimento gramatical, a pessoa elabora
naturalmente uma estrutura correta de uma frase, seja ela verbal ou nominal com
todos os elementos sintáticos necessários para sua compreensão. Não há, pois,
como negar esse fato.
Assim, não se vai à escola para aprender a falar e a
escrever corretamente e sim para ampliar o próprio repertório com o
desenvolvimento de outras competências linguísticas, tornando o aluno apto para
interagir e se relacionar com pessoas de grupos sociais distintos. Além disso,
é importante conhecer a estrutura da língua que se usa.
A norma culta, ao
contrário da popular, é sistematizada e por isso necessita do espaço escolar
para ser difundida. Ela possui
privilégios em relação às outras e a sua importância está atrelada à ascensão
social e ao poder. Quem não obtiver conhecimento das regras que a compõem, corre
o risco de enfrentar situações embaraçosas de preconceito ou de exclusão
social.
Por outro lado, a norma popular não cria constrangimento
entre as pessoas que a utilizam porque seu valor está acima das pressões ou
regras rígidas; a única preocupação é de transmitir, efetivamente, uma
informação ou ideia. A partir do momento em que o aluno tem contato com a
diversidade linguística a qual carrega tantas marcas diferenciais do ponto de
vista fonológico, morfológico e
sintático, ele compreenderá a
necessidade de conhecer e de dominar outras formas de falar além da sua.
O papel do professor em sala de aula é de proporcionar atividades que contemplem ambas
as normas, pois que outro meio ele possui para provar a pertinência de cada
uma? Partir de uma realidade é um bom
começo para compreender a língua materna e depois expandi-la para outros fins,
valendo-se (por que não?) até de um modelo idealizado.
Quem sabe um dia, essa inquietação que abrange o uso da
linguagem, inaugure uma nova era da comunicação na qual a definição de culto
seja (como afirmou a professora Maria Izabel Azevedo de Noronha) “...tudo o que
envolve a cultura de um povo, seja clássica ou popular.”
Referência bibliográfica
AVELAR, J.O. Funcionamento da Língua – Gramática,
Texto e Sentido. Tema 3: A
gramática no texto: procedimentos de análise. Campinas, SP: UNICAMP/REDEFOR,
2012. Material digital para AVA do Curso de Especialização em Língua Portuguesa
REDEFOR/UNICAMP. acesso em 10/09/2012.
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