sábado, 8 de junho de 2013

Poliglota da própria língua

O objetivo deste texto é apresentar abordagens reflexivas acerca do ensino da Língua Portuguesa no ambiente escolar, levando em conta a realidade linguística que caracteriza o Brasil de norte a sul, e que, de certa forma, tem suscitado polêmicas diversas entre gramáticos, linguistas e até especialistas de outras áreas.
Atuar como porta-voz de um código de linguagem tão dinâmico quanto a nossa língua,  tornou-se um constante desafio  no meio educacional, sobretudo para os professores que lidam diretamente com o ensino do idioma, considerando o aspecto gramatical e o linguístico. E estes , na maioria das vezes, não compartilham do mesmo olhar.
Em uma época remota, essa peculiaridade não representava um problema, visto que a instrução escolar visava apenas o ensino da norma culta como forma de obter um melhor conhecimento da língua, tanto para a leitura quanto à produção de textos. Enquanto isso, eram ignoradas as outras formas menos prestigiadas do português utilizadas por uma parcela significativa da população.
Essa omissão de informações foi, aos poucos, questionada e combatida por diversos representantes da língua. Vale ressaltar a contribuição literária dos grandes poetas do Modernismo que pregavam, dentre outros temas, a valorização da linguagem popular. Outros especialistas da língua aderiram à causa,  e o reconhecimento de outras variação linguística no Brasil ganhou espaço nos livros didáticos enviados às escolas.
Entretanto, em 2011, um material didático destinado ao EJA com o título “Viver e Aprender” foi motivo de muita discussão entre gramáticos, linguistas, jornalistas, professores e “curiosos” porque a abordagem gramatical do referido livro não era voltada à norma culta e sim descritiva. Não apontava o certo ou o errado,  apenas apresentava as possibilidades de usar a norma culta ou a popular de acordo com o contexto exigido dando a ambas um valor equivalente. Orientava, inclusive, sobre o preconceito linguístico para os falantes da norma popular em situações que exigiam uma variante culta.
É sabido que não se deve menosprezar a linguagem trazida pelo aluno,  pois ele traz em sua bagagem cultural um acúmulo de valores e conhecimentos que norteiam sua personalidade, sua  linguagem e suas atitudes.
Convém lembrar, também, que a aquisição da linguagem acontece na infância e, concomitante ao aprendizado linguístico, desenvolve-se a gramática internalizada que tem sua lógica própria. Por exemplo: na emissão de um enunciado, mesmo sem qualquer conhecimento gramatical, a pessoa elabora naturalmente uma estrutura correta de uma frase, seja ela verbal ou nominal com todos os elementos sintáticos necessários para sua compreensão. Não há, pois, como negar esse fato.
Assim, não se vai à escola para aprender a falar e a escrever corretamente e sim para ampliar o próprio repertório com o desenvolvimento de outras competências linguísticas, tornando o aluno apto para interagir e se relacionar com pessoas de grupos sociais distintos. Além disso, é importante conhecer a estrutura da língua que se usa.
 A norma culta, ao contrário da popular, é sistematizada e por isso necessita do espaço escolar para ser difundida.  Ela possui privilégios em relação às outras e a sua importância está atrelada à ascensão social e ao poder. Quem não obtiver conhecimento das regras que a compõem, corre o risco de enfrentar situações embaraçosas de preconceito ou de exclusão social.
Por outro lado, a norma popular não cria constrangimento entre as pessoas que a utilizam porque seu valor está acima das pressões ou regras rígidas; a única preocupação é de transmitir, efetivamente, uma informação ou ideia. A partir do momento em que o aluno tem contato com a diversidade linguística a qual carrega tantas marcas diferenciais do ponto de vista fonológico, morfológico e  sintático,  ele compreenderá a necessidade de conhecer e de dominar  outras formas de falar além da sua. 
O papel do professor em sala de aula é de  proporcionar atividades que contemplem ambas as normas, pois que outro meio ele possui para provar a pertinência de cada uma?  Partir de uma realidade é um bom começo para compreender a língua materna e depois expandi-la para outros fins, valendo-se (por que não?) até de um modelo idealizado.
Quem sabe um dia, essa inquietação que abrange o uso da linguagem, inaugure uma nova era da comunicação na qual a definição de culto seja (como afirmou a professora Maria Izabel Azevedo de Noronha) “...tudo o que envolve a cultura de um povo, seja clássica ou popular.”



Referência bibliográfica

AVELAR, J.O. Funcionamento da Língua – Gramática, Texto e Sentido. Tema 3: A gramática no texto: procedimentos de análise. Campinas, SP: UNICAMP/REDEFOR, 2012. Material digital para AVA do Curso de Especialização em Língua Portuguesa REDEFOR/UNICAMP. acesso em 10/09/2012.


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