sábado, 29 de outubro de 2016

Errinhos que se vão


Pequeninos, frágeis e dependentes: dessa forma eles chegam até nós. Que responsabilidade em nossas mãos! Desde o momento em que demos o “Sim” à maternidade, a vida se transforma em: alegria,  amor, atenção, cuidados, dedicação, ensinamentos, preocupações. Essas coisinhas miúdas e grandiosas, magicamente, se apossam do nosso coração, regendo os pensamentos, definindo as atitudes, porque são, sem dúvida alguma, nossa prioridade sem prazo para vencimento.

O ritual se inicia e lá estamos à frente de cada fase: os cuidados com a alimentação e higiene,  os primeiros passos, a pronúncia das palavras... Os olhinhos atentos dos miúdos tentam acompanhar e muitas vezes nos imitar. O que sai?  Ao invés de palavras, ruídos guturais incompreensíveis que somente uma mãe consegue depreender. Entretanto, isso não basta. Há um mundo lá fora no aguardo do processo interativo que precisa ser pleno o suficiente para suprir as exigências comunicativas desse nosso mundo moderno, tão cheio de padrões e rótulos quadradinhos.

Tais inquietações me acompanharam nas fases em que meus pequenos começaram a produzir os primeiros textos orais, que mais pareciam uma mistura de “nhem-nhem-nhem” com ”zum-zum-zum” e “blá-blá-blá” (não necessariamente nessa ordem...). Não deixa de ser uma brincadeira divertida,  esse primeiro ensaio das palavras. Aliás, acredito que boa parte dos vocábulos nasceu das onomatopeias.

Algumas coisas marcam quando as crianças chegam nessa fase: as vogais, por exemplo,  são mais enfatizadas na pronúncia infantil: “aua” é mais fácil que água; algumas palavras são cortadas pela metade, destacando a sílaba tônica;  passarinho vira “Titi”; uma quantidade grande de água é rio. Por esse motivo, quando o Danilo gritou desesperado para a avó: “O Titi caiu no rio”, ela achou graça e não socorreu de imediato o coitado do passarinho que ele havia derrubado com gaiola e tudo dentro do tanque cheio de água. Felizmente o bichinho foi socorrido e escapou da morte, porque o Danilo conduziu a avó até a área de serviço e mostrou-lhe o que realmente havia ocorrido.

Além do relato acima, o meu sapeca protagonizou outras cenas com sua hilária linguagem, todavia,  não me lembro de tudo com detalhes (Afinal são 32 anos atrás...), mas sei que o aperfeiçoamento da pronúncia dele ocorreu naturalmente com o decorrer dos meses e anos seguintes. Foi durante esse momento transitório que recebeu como presente alguém para multiplicar as descobertas: a irmãzinha Patrícia.

Pequena e esperta, ela aprendia muito rápido tudo, pois tinha um professor de plantão que precisava urgente de uma parceira para as traquinagens. Entretanto, quanto à questão da linguagem dessa Pequena Notável, foi necessária a orientação de uma especialista (fonodióloga) para ajudá-la a distinguir algumas letras e fonemas: c/g, v/f, t/b, que ela trocava na fala e na escrita. Alguns meses de treino e exercícios específicos foram suficientes para corrigir esse detalhe linguístico. Para quem sempre fez questão de expor seus pensamentos, agora com a dicção corrigida, não economizou no discurso, queria esgotar o estoque de verbos, substantivos, adjetivos...

Meu neto Gabriel também apresentou algumas dificuldades na pronúncia de alguns fonemas: x/j, t/b. q

Quando eu ouvia essas trocas, eu o corrigia e pedia que ele repetisse com atenção. De uns tempos para cá, percebi  que ele superou tais dificuldades e sua fala  não possui mais aquele tom infantil. Além dos mimos típicos de vó, lógico, eu também considero essencial diálogo contínuo com as pessoas da casa para que os filhos, assim como os netos, participem dos assuntos, opinem e possam também aperfeiçoar a expressão oral.

Enquanto observo filhos, netos,  e contemplo essas duas gerações, vejo como os anos obedecem à toada melodiosa e incansável do “ tic-tac “do tempo,  na qual algumas lembranças se acumulam, outras se perdem e depois se escondem  em alguma parte da memória. De pequeninos, frágeis e dependentes, passam à crescidos, nutridos e independentes,  encarando hoje,  em suas vidas, desafios que outrora a protagonista era eu.


Zizi , 27/08/2016

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