sábado, 8 de junho de 2013

A Linguagem da arte popular e da erudita

Conceituar a Arte não é tarefa fácil porque depende do ângulo em que se observa. De maneira geral as definições podem ser objetivas ou subjetivas;   saber qual delas requer mais credibilidade  é muito relativo e pouco importante.  O fundamental é reconhecer na arte  sua participação efetiva na vida do ser humano desde os tempos mais remotos, sua trajetória no atravessar dos séculos e as implicações atuais, portanto a arte é o instrumento pelo qual o ser humano manifesta suas diversas expressões, tais como:    visuais (pintura, escultura, desenho, artesanato,fotografia); movimento (dança);  som (música, ritmos);  cênicas (expressões faciais e gestos);  literária (poesia ou prosa).
Há, inclusive, outra classificação que divide a arte em dois níveis: popular e erudito. O primeiro representa a cultura do povo que abrange a maioria da população e de fácil acesso,  pois não necessita de  um espaço determinado para acontecer, sua criação está relacionada com a simplicidade e espontaneidade das pessoas dotadas de uma determinada sensibilidade artística;   a outra pertence a uma minoria da população  e é, por isso mais seletiva e exigente, está mais presente nas entidades escolares, sobretudo, nos meios acadêmicos. O acesso a ela  é restrito, goza de mais respeito perante os intelectuais e está presente nas classes sociais mais privilegiadas, logo, dominadoras.
São como irmãs criadas em lares diferentes: não frequentam os mesmos ambientes, tem pouco contato uma com a outra, são estranhas, adversas, embora ligadas por um objetivo em comum:  ambas representam,a seu modo, o patrimônio cultural  de uma população.
Para alguns, essa divisão social não incomoda porque traz, de certa forma, uma   confortável estaticidade social:  de um lado os selecionados; do outro,  o restante. Mas isso não é regra geral para os integrantes do primeiro grupo. Do meio deles surge alguém com outros planos visando uma “quebra” da ordem dos fatos e coloca em ação seus ideais de transformação de uma parcela da sociedade, até então, discriminada. Seu nome: Ivaldo Bertazzo, um coreógrafo e dançarino paulista que tem feito a diferença na vida de muitos jovens da periferia de São Paulo.
Ivaldo Bertozzo ,  um profissional de reconhecimento nacional e  internacional,  com muita experiência  em dança e coreografia,  viajou muito pelo mundo exibindo seu trabalho e talento, conheceu a cultura de vários países e,  com toda essa  bagagem de conhecimento, decidiu  elaborar  um projeto diferenciado trazendo à população mais carente um complemento à sua formação intelectual. Através de uma seleção de jovens inscritos gratuitamente, ele empenhou-se em resgatar-lhes  a identidade, o protagonismo e a cidadania dos jovens, além de despertar a sensibilidade artística deles  e facilitar-lhes o acesso aos bens culturais mais valorizados pela sociedade. 
Para isso foi preciso desenvolver um trabalho interdisciplinar incluindo as disciplinas escolares:  Educação Física, Arte e Línguas. Ele lidera esse trabalho grandioso, mas não está sozinho nisso, há vários profissionais que o apoiam e atuam junto no desenvolver do projeto  que requer tempo, determinação, e também investimento financeiro. Além das aulas de dança, os alunos aprendem mais sobre o seu corpo e sua língua com especialistas de cada conteúdo e também viajam para as apresentações de palco dentro e fora do Brasil.   
Uma pequena amostra desse nobre trabalho encontra-se em alguns vídeos no site do Youtube:  entre eles, uma  reportagem que foi exibida em um programa da Rede Globo, no qual  é abordado a importância desse projeto, como surgiu e se desenvolveu entre o coreógrafo e o grupo de jovens da periferia de São Paulo.  Outros vídeos trazem trechos de algumas  apresentações das danças que eles participam.
É interessante observar a mistura de culturas dos países nessas apresentações, tanto nas coreografias,  nas vestimentas dos dançarinos  e  nos instrumentos que acompanham  os ritmos. Algumas coreografias não são  totalmente criadas por Ivaldo, ele, muitas vezes  contribui com a parte sonora e com o conjunto de dançarinos.  Suas parcerias provêm de outros países também e sendo assim há uma prioridade cultural que predomina no decorrer do espetáculo, ou seja, há um suposto sincronismo cultural altamente perceptível nas roupas dos dançarinos, nos ritmos emitidos pelos instrumentos, nos passos.
Entretanto uma “voz” silenciosa,  mas firme nos gestos mantém  o controle e  lidera a coreografia, não se “rendendo” às insistências adversárias que carregam características típicas de outros espaços culturais. A cultura priorizada que se reafirma, portanto é a erudita protagonizada  pela dançarina hindu Sawani Mudgal. Em uma das cenas expostas, ela, junto a um dançarino brasileiro, simulam uma dupla de porta-bandeira que bailam  ao som de uma moderada batucada.   Se o objetivo fosse mostrar um comportamento tipicamente brasileiro ela  sambaria ao ritmo, mas não, ela acompanha o ritmo com movimentos típicos das danças indianas.  Outras performances são mostradas, mas fica evidente em todas elas o predomínio da cultura estrangeira sobre a brasileira e suas origens (indígena e africana), pois até mesmo os bailarinos  brasileiros aderem aos passos hindus em alguns momentos. 
Nesse sentido fica evidente o papel  do autor e sua função discursiva (embora silenciosa) na elaboração da referida coreografia. A intenção inicial de Ivaldo Bertozzo pode (até) ser diminuir a distância entre a cultura popular dos jovens da periferia e a erudita dos grandes centros urbanos,  mas percebe-se que nos meios de sua produção outros valores entram em cena e assumem um papel principal, restando ao leitor somente uma opção:  a  apreciação do resultado final de  um trabalho coletivo  e  integrado a culturas múltiplas.


Referências bibliográficas

ZOPPI-FONTANA, M. Autoria, efeito-leitor e gêneros de discurso. Tema 02/Tópico 2: Práticas de leitura e efeito-leitor. Campinas, SP: UNICAMP/REDEFOR, 2012. Material digital para AVA do Curso de Especialização em Língua Portuguesa REDEFOR/UNICAMP. acesso em 08/04/2012.


DOS SANTOS, Bianca Caroline - Arte como processo cultural: por uma ampliação do humano . Disponível em: http://www.compoliticas.org/redes/pdf/redes5/24.pdf
Acesso em 08/04/2012

BERTAZZO,  Ivaldo - A aventura do homem em busca do movimento


Disponível em:  http://ivaldobertazzo.com/sobre/          Acesso em 08/04/2012

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