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cujo tema é: Nosso melhor passeio juntos
Meados de 2014, férias de julho se aproximavam
e, consequentemente, alguns planos, mesmo incertos, brotavam, numa expectativa
imensa de serem apreciados, colhidos e consumidos. Qual deles seria
contemplado?
Dessa vez, dei voz àquela ideia que
há tempos matinava em minha cabeça, ecoando, com toques leves e contínuos, os
acordes de uma melodia que resgata pessoas e fatos inseridos em algum ponto na
minha linha do tempo. Essa sensação, tão comum e ao mesmo tempo singular, tempera
nossas lembranças e deixa escapar um aroma melancólico que desperta uma fome do
passado, mais conhecida como saudade.
Também pudera! 40 anos de dimensão
temporal e geográfica percorrem o tempo e deixam marcas. Se bem que, os números
apenas atendem a uma lógica linear, mas são desprovidos da abstração causada
pelo resultado final dessa mera adição.
O momento do retorno era aquele.
Rever pessoas e lugares e, assim, verificar quais mudanças ocorreram durante o
intervalo dessas quatro décadas, aproximando, dessa forma, as duas pontas da
vida: infância e adulta (parafraseando uma das obras do nosso Bruxo Velho)
Explico: parte da minha infância foi
vivenciada no Ceará: dos 8 aos 12 anos. Lá conheci meus queridos avós e todos
os demais parentes que integravam nossa árvore genealógica. Entretanto,
acostumada com a vida em São Paulo, onde tanto os recursos como as
possibilidades de emprego eram melhores, tivemos que nos adaptar às condições
mais precárias que esse pedaço do Nordeste oferecia naquela época. Foram anos
difíceis e inundados por lágrimas que eu, expressando minha angústia e revolta,
derramava, principalmente nos momentos em que sentávamos à mesa.
Que maturidade tem uma criança para
compreender e aceitar as antíteses que o lápis do destino traça em suas linhas? A valorização desse processo doloroso ocorreu
somente anos depois. E foi por isso que decidi visitar esse passado que já não
me assustava mais. Ao contrário: eu
queria mesmo uma proximidade para estabelecer uma interação com tudo o que
ficou para trás.
Algumas alterações inevitáveis tinham
ocorrido em minha vida desde então, considerando aventuras e desventuras: meus
filhos, já adultos e cheios de compromissos e trabalhos, não tinham mais disponibilidade
para me fazer companhia nessa viagem fantástica. Se por um lado eu
lamentava a falta dos meus pais, pois
Deus os havia convocado e, logicamente,
seria impossível levá-los comigo; por outro, existia o Gabriel, meu
netinho, minha alegria, morava comigo; este sim compartilhava sorrisos, abraços e
aventuras. Nem hesitei; convidei-o para uma viagem ao Nordeste, estimulando-o a
conhecer os outros parentes e lugares. Além disso, seria a primeira viagem de
avião que faríamos juntos: ele, o avô e eu. Gabriel aceitou de imediato e ficou
extremamente ansioso pela data marcada.
Até então, o meu neto só conhecia o
Ceará através de fragmentos das histórias contadas por mim ou, às vezes,
reportagens na TV. Tudo que antes parecia ficção, iria ganhar forma real. Quantas emoções novas o aguardavam: ele teria
a chance de experimentar iguarias
diferentes, receberia muito carinho e
calor humano daquela gente tão hospitaleira e carinhosa, ouviria a pronúncia
peculiar dos habitantes das cidades e do interior, sentiria na pele a
temperatura daquele calor inigualável, conheceria o agreste e o urbano no
contexto nordestino, a literatura, muitos animais, açudes, rios, muita
natureza... tudo, tudo que ele mais gostava!!
A espera pelo grande dia, os
preparativos, a ansiedade nos consumia...
Enfim, chegou o momento desafiador:
entrar em um avião e ser, por algumas horas,
tripulante desse pássaro colossal. Emoção mesclada com pitadas de receio
(para não dizer pavor!). Bendita invenção de Santos Dumont que propiciou um prazer
imensurável a esses três aguerridos aventureiros: Gabriel, Marcos e Zizi.
As três escalas faziam parte do
pacote e, embora atrasasse um pouco a chegada, foi ótimo parar e conhecer
outros estados (pelo menos o que dava vista do aeroporto). Mas nada se compara
ao momento em que o avião atinge o ponto mais culminante e lá do alto, enxergamos uns pontinhos, umas
formiguinhas humanas em sua lida, perdidas no colorido dos campos e/ou das
cidades.
Nem preciso descrever a recepção da
chegada: meus tios e uma chuva de primos, alguns deles eu nem conhecia ainda...
Mutuamente, Intermináveis abraços,
lágrimas e palavras que tentavam
traduzir tamanha emoção; tantas
histórias para contar, outras para relembrar. Novidades também não
faltavam, fiquei sabendo que minha tia,
assim como eu, gosta de poetizar.
Foram doze dias que eu caracterizo
como “estado de graça”. Tudo foi tão perfeito! O Gabriel não estranhou o clima
nem a alimentação. Visitamos cidades e as casas em que eu havia morado quando
criança, revi muitas pessoas; fui até reconhecida por uma senhora que fora
minha vizinha; adoraram o meu neto e ele também amou o pessoal todo. Nem
parecia que tudo e todos eram novidades para ele.
Nesse retorno, encontrei um Ceará
mais amparado, menos fome pelas ruas, mais escolas, mais comércio, mais
emprego. Problemas existiam sim, afinal a pobreza ainda reina em alta porcentagem,
mas não tão cruel como antigamente...
Paradoxalmente, um dia eu acreditei
que a melhor viagem fora a saída do Ceará em 1974 rumo a São Paulo; hoje, eu afirmo com toda a convicção que o passeio
mais saboroso foi esse retorno às origens, que fizemos juntos em 2014,
eternizando emoções, valorizando e
fortalecendo os laços mais significativos...
Zizi,
05/03/2016
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