domingo, 6 de março de 2016

A melhor viagem: o passado X presente

Texto publicado em 06/03/2016 no blog:
http://materna-idade.blogspot.com.br/
cujo tema é: Nosso melhor passeio juntos




Meados de 2014, férias de julho se aproximavam e, consequentemente, alguns planos, mesmo incertos, brotavam, numa expectativa imensa de serem apreciados, colhidos e consumidos. Qual deles seria contemplado?
Dessa vez, dei voz àquela ideia que há tempos matinava em minha cabeça, ecoando, com toques leves e contínuos, os acordes de uma melodia que resgata pessoas e fatos inseridos em algum ponto na minha linha do tempo. Essa sensação, tão comum e ao mesmo tempo singular, tempera nossas lembranças e deixa escapar um aroma melancólico que desperta uma fome do passado, mais conhecida  como saudade.
Também pudera! 40 anos de dimensão temporal e geográfica percorrem o tempo e deixam marcas. Se bem que, os números apenas atendem a uma lógica linear, mas são desprovidos da abstração causada pelo resultado final dessa mera adição.
O momento do retorno era aquele. Rever pessoas e lugares e, assim, verificar quais mudanças ocorreram durante o intervalo dessas quatro décadas, aproximando, dessa forma, as duas pontas da vida: infância e adulta (parafraseando uma das obras do nosso Bruxo Velho)
Explico: parte da minha infância foi vivenciada no Ceará: dos 8 aos 12 anos. Lá conheci meus queridos avós e todos os demais parentes que integravam nossa árvore genealógica. Entretanto, acostumada com a vida em São Paulo, onde tanto os recursos como as possibilidades de emprego eram melhores, tivemos que nos adaptar às condições mais precárias que esse pedaço do Nordeste oferecia naquela época. Foram anos difíceis e inundados por lágrimas que eu, expressando minha angústia e revolta, derramava, principalmente nos momentos em que sentávamos à mesa.
Que maturidade tem uma criança para compreender e aceitar as antíteses que o lápis do destino traça em suas linhas?  A valorização desse processo doloroso ocorreu somente anos depois. E foi por isso que decidi visitar esse passado que já não me assustava mais.  Ao contrário: eu queria mesmo uma proximidade para estabelecer uma interação com tudo o que ficou para trás.
Algumas alterações inevitáveis tinham ocorrido em minha vida desde então, considerando aventuras e desventuras: meus filhos, já adultos e cheios de compromissos e trabalhos, não tinham mais disponibilidade para me fazer companhia nessa viagem fantástica. Se por um lado eu lamentava  a falta dos meus pais, pois Deus os havia convocado e, logicamente,  seria impossível levá-los comigo; por outro, existia o Gabriel, meu netinho, minha alegria,  morava comigo;  este sim compartilhava sorrisos, abraços e aventuras. Nem hesitei; convidei-o para uma viagem ao Nordeste, estimulando-o a conhecer os outros parentes e lugares. Além disso, seria a primeira viagem de avião que faríamos juntos: ele, o avô e eu. Gabriel aceitou de imediato e ficou extremamente ansioso pela data marcada.
Até então, o meu neto só conhecia o Ceará através de fragmentos das histórias contadas por mim ou, às vezes, reportagens na TV. Tudo que antes parecia ficção, iria ganhar forma real.  Quantas emoções novas o aguardavam: ele teria a chance de  experimentar iguarias diferentes,  receberia muito carinho e calor humano daquela gente tão hospitaleira e carinhosa, ouviria a pronúncia peculiar dos habitantes das cidades e do interior, sentiria na pele a temperatura daquele calor inigualável, conheceria o agreste e o urbano no contexto nordestino, a literatura, muitos animais, açudes, rios, muita natureza... tudo, tudo que ele mais gostava!!
A espera pelo grande dia, os preparativos, a ansiedade nos consumia...
Enfim, chegou o momento desafiador: entrar em um avião e ser, por algumas horas,  tripulante desse pássaro colossal. Emoção mesclada com pitadas de receio (para não dizer pavor!). Bendita invenção de Santos Dumont que propiciou um prazer imensurável a esses três aguerridos aventureiros: Gabriel, Marcos e Zizi.
As três escalas faziam parte do pacote e, embora atrasasse um pouco a chegada, foi ótimo parar e conhecer outros estados (pelo menos o que dava vista do aeroporto). Mas nada se compara ao momento em que o avião atinge o ponto mais culminante  e lá do alto, enxergamos uns pontinhos, umas formiguinhas humanas em sua lida,  perdidas no colorido dos campos e/ou das cidades.
Nem preciso descrever a recepção da chegada: meus tios e uma chuva de primos, alguns deles eu nem conhecia ainda... Mutuamente,  Intermináveis abraços, lágrimas e  palavras que tentavam traduzir tamanha emoção;  tantas histórias para contar, outras para relembrar. Novidades também não faltavam,  fiquei sabendo que minha tia, assim como eu, gosta de poetizar.
Foram doze dias que eu caracterizo como “estado de graça”. Tudo foi tão perfeito! O Gabriel não estranhou o clima nem a alimentação. Visitamos cidades e as casas em que eu havia morado quando criança, revi muitas pessoas; fui até reconhecida por uma senhora que fora minha vizinha; adoraram o meu neto e ele também amou o pessoal todo. Nem parecia que tudo e todos eram novidades para ele. 
Nesse retorno, encontrei um Ceará mais amparado, menos fome pelas ruas, mais escolas, mais comércio, mais emprego. Problemas existiam sim, afinal a pobreza ainda reina em alta porcentagem, mas não tão cruel como antigamente...
Paradoxalmente, um dia eu acreditei que a melhor viagem fora a saída do Ceará em 1974 rumo a São Paulo;  hoje,  eu afirmo com toda a convicção que o passeio mais saboroso foi esse retorno às origens, que fizemos juntos em 2014, eternizando emoções, valorizando  e fortalecendo os laços mais significativos...

Zizi, 05/03/2016

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