sábado, 30 de abril de 2016

AI, palavras, ai palavras!

Tema: Tá de castigo! Texto publicado em 30/04/2016 no blog:http://materna-idade.blogspot.com.br/

Aprendi com meus pais que as palavras vão além dos fonemas emitidos numa troca de comunicação; elas adquirem peso, forma, cor, dimensão, cheiro e sabor,  preenchem os cinco sentidos numa relação de causa e efeito e nos acompanham em todas as fases da vida.

Na infância e adolescência o nosso papel é secundário pois somos subordinados aos pais, os quais, por estarem no controle,  decidem como educar . No meu caso, desconheço  os efeitos mágicos do cipó, varinha, chinelo e cinto como corretores porque, felizmente, não tive o desprazer de vivenciar esses mecanismos educativos quando criança ou adolescente. Meu pai (talvez por ter sido injustamente punido tantas vezes quando criança pelo meu rigoroso avô), prometeu a si mesmo que jamais adotaria tais práticas corretivas na educação dos seus filhos. E cumpriu isso à risca, apelando para uma outra alternativa tão eficiente quanto aquela e que garantia  um bom resultado.

A técnica era simples:  quando uma de nós violava um critério, ele nos castigava com uma surra de palavras. E como doíam aquelas flechadas lexicais de efeito maçante cuja tortura era oferecida em pequenas e repetidas doses durante horas! Ai, que saudade de um vergão na perna, que vontade de ouvir o cantar da varinha antes de atingir o “alvo” (Quem sabe, fosse menos doloroso!)... Paradoxalmente, eu ansiava por algo que nunca conhecera: o castigo físico.

Essa experiência definiu parte do meu comportamento depois que os papéis se inverteram na ordem cronológica da vida: passei de filha à mãe e, mais tarde, avó.

Ninguém carrega tanta incumbência quanto uma mãe. O mundo observa, cobra, aponta e culpa especialmente a essa singela criatura a boa educação dos filhotes, ou seja, além de gerar, parir, alimentar, zelar, ela é a maior responsável pelo o que aquele serzinho irá se tornar um dia. Os regozijos da maternidade mesclam-se com as múltiplas atribuições.

Mesmo compreendendo a seriedade da missão materna, abracei a causa e dei as boas vindas aos rebentos: Danilo e Patrícia, que chegaram, não de mãozinhas dadas, mas com um intervalo de 1 ano e 10 meses de diferença. Mal tive tempo de me recompor de uma gestação para a outra.

Quando a pequetita nasceu, o espertinho pensou que fosse uma boneca. Pudera! Ela era tão pequenina! Entretanto a indefesa figura foi aos poucos ocupando os espaços que até então pertenciam somente a ele: o berço, o carrinho e outros acessórios, o colo,o carinho e a atenção de todos. Quando percebeu que precisava dividir tudo, ele ficou uma fera e partiu para o ataque. O instinto materno detectou as intenções ferinas e posicionei-me em defesa da recém-chegada. A receptividade dele não foi das melhores. Eu não podia deixá-la sozinha com o irmão em momento algum, pois corria o risco de algum incidente. Eu ir ao banheiro? Só se a trancasse no quarto e levasse a chave . Um segundo para ele seria suficiente para uma manifestação de protesto cujo alvo nem podia se defender.

Mesmo com todos os meus cuidados, a pequena teve a infelicidade de sentir os dentes do irmão em uma das orelhinhas. Chegou a sangrar. Percebendo a gravidade do seu ato, Danilo  correu e enfiou-se no colo do avô, como se suplicasse proteção. Eu, inconformada com o ocorrido e dominada pela raiva, larguei a pequena chorando e fui atrás dele. Arranquei-o  dos braços do avô e o puni com algumas chineladas e broncas. A partir disso, redobrei os meus cuidados para que nunca mais o fato se repetisse.

Danilo escutou tantas vezes o meu discurso sobre a fragilidade da irmã; a necessidade de protegê-la e não atacá-la; a importância de se ter irmãos e de se darem bem; a cumplicidade e o companheirismo que deveria existir entre eles que deve ter absorvido minha mensagem.etc,  Aquela foi a primeira e a última vez que ele a machucou.

Gradativamente, ele se aproximou da irmã e ficou animado depois que percebeu que aquela miúda era uma pimentinha, parceira perfeita nas aventuras pueris. Como professor de traquinagens tratou de ensinar alguns truques a ela: a 1ª aula foi “como sair do berço”, depois sucederam outros: como se esconder da mãe dentro de uma loja lotada, pular na cama, subir em móveis e quebrar objetos, virar o fogão em cima de si mesmo”, derrubar a televisão, e outros. Se depois de tudo isso, sobrasse tempo, eles lembravam que possuíam brinquedos e se ocupavam com eles durante algum tempinho.

Eu vivia com o coração na mão, na iminência do próximo susto. As enxurradas verbais só faziam efeito naquelas criaturinhas no momento em que estavam sendo despejadas. Em decorrência, as chineladas ou varadas, pareciam parte de uma maratona. Eles, incansáveis atletas e eu não, mas  minha mão era certeira e o chinelo, voador.

Os anos se encarregaram de acentuar os traços distintos da personalidade de ambos. Ele: arteiro, teimoso, provocador. Ela: indiscreta, impulsiva e crítica. Meu desafio: mediar os conflitos (quase) diários desses dois. Dependendo do contexto, os castigos variavam. Quando discutiam, eu os obrigava a andar de mãos dadas; quando se atacavam fisicamente,  eu não perdoava: a cinta cantava no couro deles. Para cada cintada na Patrícia, o Danilo ganhava em dobro. Depois tinham que se desculpar. Eu os colocava de castigo e caprichava no sermão.

Nem na hora da foto eu tinha sossego. Era um drama! Eu os arrumava e os colocava bem próximos para a foto. Ele aproveitava a situação e a sacudia de um lado para outro. Ela gritava, ele ria, ela reclamava, ele se divertia. Eu finalizava aquela confusão com um brado autoritário e ameaçador. (Fazer o quê?)

Infância e adolescência foram épocas diferentes, porém, certas características sobreviveram, sobretudo as provocações do Danilo e as reações da Patrícia que não se intimidava de forma alguma. Ela aprendeu, a duras penas, a se defender de qualquer marmanjo que a desafiasse e leva até hoje esse aprendizado para a vida.

Não gastei minha saliva à toa: hoje eles são adultos prudentes, sensatos, cheios de responsabilidade. Ufa!!

O Gabriel veio compor o nosso cenário em 2004 e nos ensinar mais um pouco. Agora como avó, eu era mais tolerante para acompanhar as travessuras do novo integrante.  Mesmo assim não deixei de lado o meu legado, pois a criança precisa compreender que  não pode ser inconsequente e que deve obediência sim aos pais e avós, a princípio.

Criei, então, um cantinho para ele ficar de castigo quando ultrapassasse os limites estipulados. Ele gostou tanto disso que quando fazia algo errado, nem precisava mandar, já ia correndo sentar lá por conta própria e ainda justificava:  “fiz uma coisa errada”. Meu neto não é arteiro como o pai, é mais tranquilo. Mesmo assim, precisou e ainda precisa ouvir os conselhos  ou as chamadas de atenção da avó porque está em fase de formação.

Sou contra espancamento, mas quando as palavras não conseguem resolver uma situação de resistência, o jeito é apelar para outro método que funcione. Não podemos ser permissivos a ponto de eliminar qualquer limite aos nossos filhos. Eles precisam ser acompanhados, orientados, direcionados. Um elogio ali, uma crítica aqui, um basta acolá...Nós os educamos para a vida,  e se eles não tiverem nenhuma noção entre o certo e o errado, o mundo, lamentavelmente,  os ensinará da maneira mais cruel possível.


Zizi, 30/04/2016

domingo, 17 de abril de 2016

Quando “parto” não é ida, é chegada!

Tema: Parto normal ou cesárea?
Texto publicado em 17/04/2016 no blog:
http://materna-idade.blogspot.com.br/2016/04/quando-parto-nao-e-ida-e-chegada_17.html


Um caderno com algumas folhas vazias, lápis e uma borracha: minhas primeiras ferramentas para o início de uma construção empírica. Poderia ser mais simples e fácil relatar tais experiências visto que somente nós, mulheres, possuímos o privilégio do TER e do SER: temos um casulo que abriga o novo ser e somos o portal desta recente vida.

Entretanto, as palavras iniciam uma brincadeira de esconde-esconde comigo. Sinto-as por perto rodeando-me, provocando-me. Ouço os balbúcios. Tantos, atropelados, rebeldes, ininteligíveis. Só preciso de um tempo para organizá-los.

Resgatar com exatidão fatos ocorridos há mais de trinta anos requer certo esforço uma vez que o acervo é grande e nossa memória tem critérios seletivos para armazenar nossas histórias. Contudo, eu confio nesse baú de imagens e de palavras. As recordações lá contidas estão protegidas por uma substância mágica e verdadeira que não se pode adulterar: o amor materno.

Já me disseram que sou uma “mãezona”.  Talvez essa definição condense um misto de elogio e (quem sabe!) crítica ao mesmo tempo,  por tratar com carinho as pessoas, por me importar com elas, por protegê-las. Realmente, há situações em que o instinto maternal fala mais alto e determina as ações voltadas para aqueles que, supostamente,  precisam de mim. Por isso fica difícil afirmar quantas vezes fiz  papel de mãe nesta vida, mas sei, certamente, o que representa a expressão “dar à luz”.  Por duas vezes vivenciei a mais incrível e singular experiência que uma mulher conhece na sua trajetória feminina.

Danilo e Patrícia: o maior e melhor presente divino que possibilitou meu crescimento como ser humano.  E vou além: Deus, na sua sabedoria e generosidade, trouxe-me anos depois o complemento dessa evolução: os netos: Gabriel e Johnny,  protagonistas de tantas histórias de amor, aventura, humor, ação, suspense e mistério que, aos poucos, farão parte destes contextos maternais.

Embora seja clichê a expressão “túnel do tempo”, é justamente nela que pretendo mergulhar para  trazer à tona os episódios de 1984 e 1986, datas extremamente relevantes que marcaram o nascimento dos meus filhos.

As duas gravidezes não trouxeram problemas, tudo ocorreu conforme manda o protocolo: acompanhamento mensal no pré-natal, cuidados com a alimentação, sensibilidade aguçada, muita sonolência à noite, azia, falta de ar nas subidas e os inevitáveis quilinhos a mais (20 kg a mais na gravidez do Danilo e 22 na gravidez da Patrícia). Nunca senti enjoos nem vontades estranhas.

Sempre fui irrequieta, meio ligada nos 220 volts, mesmo grávida. Andava de bicicleta, subia em muros e na laje da casa, ia para a casa da vizinha pelo muro, fazia caminhadas... Aquele barrigão nunca me impediu de fazer as atividades cotidianas,  até mesmo pintar a casa duas semana antes do nascimento do Danilo..  Lógico que não me faltavam advertências verbais da minha mãe, irmãs, sogra e dos demais parentes. Eu sabia que estavam preocupadas com o meu bem estar e do bebê, porém não via necessidade de uma mudança tão brusca. Como passar de dinâmica à estática de uma hora para outra?

O que mais me incomodava mesmo, nessa época, eram as histórias referentes à hora do parto. Nossa! As fontes eram diversas e em quase todas elas haviam enredos de dores insuportáveis, agonia sem fim, lágrimas, lamentos, promessas, etc.  Aquilo não me ajudava nem um pouco. Ao contrário, eu ficava imaginando o quanto iria sofrer na hora do parto e, na sequência dos dias,  o momento crucial se aproximava e minha expectativa crescia junto.

Em uma bela madrugada de sono profundo, antecedendo o dia das mães (12/05/1984) fui surpreendida pelo rompimento da bolsa e naquele momento compreendi que chegara a hora da ida ao hospital,  pois o trabalho de parto se iniciara. Entretanto o Danilo não tinha pressa de nascer, fiquei muitas horas no quarto,  acompanhada de outras mães na mesma situação. Como elas gritavam, choravam, sofriam e se lamentavam!! Aquilo foi horrível porque eu estava sem dores ainda tinha que testemunhar todo aquele alvoroço das outras. Eu pensava “Até eu chegar nesse estágio vai demorar!” Foram mais de doze horas de espera. O lindinho resolveu nascer à noitinha: às 18:30 quando, mais uma vez, o médico entrou no quarto para examinar aquelas mães  desesperadas e me viu lá quieta no aguardo. Fez o exame em mim e pediu à enfermeira que me levasse rapidamente para a sala de parto porque o bebê já estava nascendo. Eu estranhei, estava sentindo as contrações sim, mas era algo suportável. Pelo drama que eu presenciava naquela sala das demais mães,  esperava coisa pior. Danilo nasceu de parto normal com 46 cm e 2.500 kg. Ele foi bem paparicado, era o 1º neto paterno e o 1º neto materno do sexo masculino.

Não fiquei traumatizada com o parto, o pessoal exagera nos comentários. Cada experiência é única e por isso não podemos transferir nossos medos a outrem. Mesmo assim, não planejei outro filho em seguida, queria esperar o Danilo crescer um pouco mais. Acontece que Deus tinha traçado um plano secreto o qual chegou ao meu conhecimento somente depois de quatro meses de gestação.

Apesar do susto, encarei e fiz todo o procedimento necessário. A segunda gestação não foi diferente da primeira, com exceção de um detalhe: nessa eu fiquei mais redonda. O rompimento da bolsa ocorreu igual da outra vez: eu acordei molhada pelo líquido amniótico, arrumamos a mala e partimos rumo ao hospital por volta das 7:00 da manhã no dia 09/03/1986. Meu marido acreditou que iria demorar como da outra vez, deixou-me lá e voltou para casa. Entretanto, mal sabia ele que a mocinha que, por pouco, não nascera no Dia da Mulher, gostava de surpreender. Patrícia nasceu de parto normal dali a minutos, como num passe de mágica. A pequena princesa mediu 46 cm e pesou 2,300 kg.

Novamente toda a família foi comemorar o milagre da vida, a chegada de mais um ser  que muito nos acrescentou e que, junto com o Danilo, pintaram as nossas telas de todas as cores com a magia e o encantamento que somente as crianças possuem...

   Zizi,   17/04/2016,  

Se as paredes falassem...

Tema: O primeiro dia na escola do meu filho
texto publicado em 04/04/2016 no blog:
http://materna-idade.blogspot.com.br/2016/04/se-as-paredes-falassem_4.html


Nós, mães, somos “experts” em solicitar parcerias em prol dos nossos pequeninos. Depois que eles desocupam o santuário uterino, dá-se início a uma jornada com plantão 24 horas. Os principais aliados que nos apoiam nesse momento estão por perto: pai, avós, tios(as). Tantos olhos e braços em alerta somados aos meus deveriam ser suficientes,  no entanto, não impedem que alguns imprevistos escapem.

Depois que cessam as fraldas, concomitantemente os passinhos exploram cada centímetro e ângulo da casa, as mãozinhas buscam a textura de tudo à sua volta. A partir daí, as paredes transformam-se em telas gigantescas simplesmente porque os pequenos artistas decidiram montar seu ateliê nas dependências do lar, pois precisavam extravasar o ato criador e não havia papel que chegasse.

Quando nossa casa vira um afresco, é sinal de que um novo capítulo se inicia,  marcando o próximo desafio. Sozinhos, não estamos preparados para lidar, aprimorar e direcionar tanta criatividade infantil. Precisamos de um perito que saiba direcionar os traços pictóricos em algo mais palpável e inteligível. Por trás daqueles hieróglifos enigmáticos escondem-se letras, sílabas e palavras terrivelmente ansiosas para serem decodificadas.

A ideia  de matriculá-los em uma escolinha apeteceu-me então. E assim foi feito. Essa nova parceria tornar-se-ia crucial para a descoberta de um propósito cujo desenvolvimento já estava a caminho.

Uma das minhas preocupações foi encontrar uma escolinha que se parecesse com uma casa. Assim, o ambiente não mudaria tanto aos olhinhos deles e a adaptação seria mais fácil. Fui levá-los, pois naquela época o tempo era meu aliado com dedicação plena e exclusiva aos meus filhos.

O amor de mãe, embora intenso,  provoca emoções paradoxais. Por mais que concordemos que a escola é necessária não só para o primeiro contato com as letras, mas também para desenvolver a individualidade, a socialização, interação, vivenciar novas situações, enfim, um preparo para a vida, essa “quebra parcial do vínculo” dói e nos incomoda a ponto de deixar-nos inseguras e até chorosas quando vemos nossa cria pronta para a luta com a mochila nas costas.

Não foi fácil vê-los encarar, pela primeira vez, a escolinha. Da parte deles, receberam a notícia sem resistência, com sabor de aventura, pelo menos nos primeiros dias... Depois que perceberam que era “pra valer”, passaram a inventar desculpas, fazer manha e usar artifícios de chantagem para reduzir a assiduidade. Todavia, o livre arbítrio estava descartado. Não havia outra opção a não ser entrar no ritmo e aproveitar melhor essa nova missão.

Tentando buscar mais detalhes que enriquecessem meu relato, perguntei aos dois protagonistas desse enredo quais lembranças tinham ficado  do primeiro dia de aula. Se para eles foi difícil resgatar fatos ocorridos há, mais ou menos, 25 anos, imagine para mim.  Mesmo assim comentaram alguns aspectos os quais eu conhecia e já estavam aqui registrados sob o olhar singular dessa mãe que enxerga seus filhos do jeito que o coração permite.

Tanto  eu quanto eles sabemos que o compromisso com o futuro começou ali, naquelas salinhas com outras crianças, em meados de 1990. O resultado é mais que positivo, é gratificante. Hoje, com orgulho, olho para um engenheiro e uma geógrafa diante de mim, ambos lindos e cheios de responsabilidades, construindo suas vidas com uma riqueza que transcende qualquer outra: o saber.


Em suma, o contexto escolar foi um terreno bem fértil para tantas histórias que vão da comédia ao drama:  que o Danilo levou um cadeado para colocar na orelha do coleguinha e o perseguiu durante o intervalo e a Patrícia mostrou que tamanho não era documento reagindo com a mesma moeda a uma agressão física  de uma amiguinha de sala, são assuntos para um outro post, quem sabe...

Zizi,  03/04/2016