Quando nascem parecem uns bibelôs: os lindinhos
e as lindinhas permanecem onde os colocamos, vestem o que escolhemos, comem o que oferecemos... Nutrem o nosso ego porque criam a ilusão de que estamos no controle. Todavia, esse “éden de areia” vem abaixo assim que descobrimos que aquelas figurinhas se mexem, se arrastam, se escondem, derrubam, põem, tiram, quebram, rasgam, amassam, recusam, respondem, devolvem, provocam, brigam, batem, apanham, teimam (e como!!); enfim, tem personalidade própria e fazem questão de deixar isso bem claro para nós.
Pode parecer desanimador, mas é pura orientação empírica: os anos não se preocupam em reduzir essa enxurrada de verbos citados; eles apenas os aperfeiçoam e nós, mães, continuamos de mãos atadas em companhia de um elemento que não falta no nosso mundo materno: o efeito surpresa. Por isso redobramos os cuidados a fim de evitar iminentes contratempos: enquanto um olho cuida dos pequenos, o outro circula para detectar prováveis riscos. Será que resolve?
Inúmeras foram as situações complexas que tanto o Danilo quanto a Patrícia me fizeram passar. Ele, sendo o mais velho, queria mostrar serviço e se prontificava a ensinar tudo de errado para a irmãzinha.(ainda bem que ela não repetia todas as façanhas do “nosso herói”). Muito peralta e teimoso como uma porta, chegou até o absurdo de enfiar a mãozinha na fogueira (época das festas de São João) para sentir a temperatura do fogo. Uma vez, escalou meu guarda-roupa, quanto chegou ao topo, mirou no alvo (minha cama) e alçou voo. Só escutei o “Crash”. Tinha atração pelo perigo. Adorava lutas marciais e treinava na irmã. A miúda aprendeu a se defender bem cedo devido às brincadeiras grosseiras do irmão. Como brigavam os dois! Ele se divertia só de perturbá-la. E na hora da comida? Ai, que drama! Ele não queria comer nada que fosse saudável. Eu comprava colheres de aviãozinho, pratinhos com desenhos diferentes, etc. Nada funcionava! Contava a ele que existiam muitas crianças na rua que dariam tudo para ter um pouco de comida, pelo menos; ele me respondia “Então a senhora deve ir lá e dar essa comida para eles”. Discursos materno e paterno não faziam efeito no Danilo; avô, avô, tia, mãe e pai eram insuficientes para estar de olho nele. Não sei onde cabia tanta teimosia naquela pequena criatura!
Ela, por sua vez, não carregava o troféu de teimosia como ele; sua estratégia era observar, planejar e agir. Caso pressentisse algum perigo, era a primeira a soar o alarme. Não me dava trabalho, não revirava minhas coisas, até me ajudava a olhar a casa, parecia uma pessoa adulta (nas atitudes). Eu sabia que estava tudo perfeito demais para ser verdade, até que descobri sua característica peculiar: ela tinha(e como tem!) excesso de franqueza. A princípio, parece uma virtude, mas quando somos testemunhas de palavras que são ditas no momento errado para a pessoa errada e não podemos impedir, ai meu Deus, que vergonha!! Como essa menina me fez enrubescer!! As palavras: sigilo e ponderação não faziam parte do seu vocabulário. Sua franqueza aliada à coragem promovia eventos inesquecíveis: articulava assuntos confidenciais ou familiares para quem não devia; fazia comentários ou perguntas indiscretas à pessoas de cerimônia; adorava desenhar pessoas (adultas) e depois presenteá-las com o desenho, mas havia um detalhe marcante nesses traçados: elas estavam nuas. Para ela, os seres deveriam ser representados da forma mais natural possível, por isso o nu. Na filmagem da formatura do Pré, quando a câmera a focalizou, ela estava desenhando docemente. Ao perceber que estava sendo filmada, ela olhou, sorriu e mostrou o dedo do meio. Enfim, aquela pequena criaturinha era uma pimenta que suscitava situações constrangedoras na maior inocência. Aquele bendito pedacinho de língua não tinha freio! E, em outras situações que a irritava, como argumentava bem! Deixava o interlocutor sem resposta. Uma perfeita versão humana da Emília de Monteiro Lobato. Nunca me esqueço da vez em que ela, com a melhor das intenções, quis me homenagear e ao ouvir uma aleatória sugestão do padre, levantou a mão e me indicou para fazer uma mensagem (de improviso) aos fiéis numa cerimônia religiosa e eu não pude recusar (quase enfartei, a igreja estava lotada).
Tenho saudade de tudo referente a eles, sobretudo das travessuras do Danilo e das indiscrições da Patrícia. Na época eu “descabelava” como uma louca para acompanhar aquele ritmo. Eu brigava com eles, os punia, colocava-os de castigo, obrigava-os a andar de mãos dadas devido às brigas, os meus sermões eram para martelar mesmo naquelas cabecinhas., porém sabia separar os assuntos distintos: na hora de bagunça e brincadeiras, lá estava eu rolando por cima deles e me divertindo com os gritos.
Logo o rapazinho tornou-se adulto e pai bem jovem e foi encarar a profissão conquistada com tanta garra. A mocinha saiu de casa para estudar longe e preparar o seu amanhã. Ele teve pressa de crescer e ficou mais sisudo, menos brincalhão, mais cauteloso, menos peralta. Ela aprendeu que na casa dos outros não havia tanta prioridade quanto na sua. Ele percebeu que a cobrança do mundo lá fora é maior que a dos pais. Ela manteve sua carinha de menina dócil, mas com as garras afiadas, só para se garantir.
Esses são os meus rebentos que provocam em mim as sensações mais adversas que vão desde uma lágrima que escorre chamada saudade, ao brilho mágico quando meus olhos encontram os deles...
Zizi 16/12/2011
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